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Amazonizar-se

  • Márcia Detoni
  • 2 de mar. de 2022
  • 2 min de leitura

É pela escrita de dois colegas jornalistas, Airton Ortiz e Eliane Brum, que volto nestas férias chuvosas à Amazônia, este Brasil verde que se tornou tão fundamental nos últimos tempos para mim e para o mundo. Com Ortiz, em “Travessia da Amazônia”, navego o maior rio do mundo em extensão e volume de água, adentro a floresta, converso com o pagé. Com Eliane, sofro as agruras de indígenas e ribeirinhos, choco-me com os gaúchos gafanhotos, choro a devastação que leva a mata ao ponto de não retorno. “Banzeiro Òkotó” poderia se chamar "As Veias Abertas da Amazônia".


O mais rico em termos de consciência pessoal é perceber nesses relatos que minha amazonizaçāo não foi, como até então acreditava, um estado de iluminação, algo muito profundo e íntimo, um reencontrar-se com a essência da vida depois de anos de asfalto. Ortiz e Eliane mostraram-me ser justamente isso o que ocorre na floresta: vira-se corpo.


Minhas primeiras viagens à Amazônia foram a trabalho. Em uma delas, em 2005, subi o Rio Solimões de barco voadeira da pequena São Paulo de Olivença até Tabatinga para ministrar oficinas de jornalismo a moradores locais que criavam um sistema público e comunitário de rádio. Foi lindo, impactante, mas cartesiano, um "uau" da mente. Isto é a Amazônia, pensei.


Só fui sentir a floresta no corpo em 2019 numa passagem por Belém. Sem a farda jornalística, permiti-me um mergulho no Guamá. Um rio amazônico é “um rio amazônico”! Tem a abundância do centro do mundo. Foi transformador. A Amazônia tornou-se urgente. Em seis meses voltava para uma floresta idílica banhada pelas águas mornas e cristalinas dos rios Tapajós e Arapiuns em Alter do Chão. Teria voltado outras vezes não fosse a pandemia.


Para minha surpresa, encontro descrição semelhante no livro de Eliane Brum, profundamente tocada pela experiência no Xingu: "Amazonizar-se, como verbo, vai muito além da floresta. É um movimento para voltar a ser, para se despertar, no sentido daquele que se partiu ao se colocar fora da natureza, ao deixar de ser parte do todo orgânico de um planeta vivo".


Importar-se com a Amazônia (trazer para dentro), deixar-se tocar por ela, é mais que missão nesses tempos de caos climático, é nossa grande oportunidade de reconexão.


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